Poema Imagem Carnaval do Diabo
Poema-Imagem : Bolívia!
Uma quinta-feira pré-carnaval. Álvaro (um amigo do Chile) e eu buscávamos hospedagem em Oruro, uma cidade de cerca de 400 mil habitantes, distante 300 km de La Paz. O departamento de Oruro abriga atrações, como a cidade de Orinoca, terra natal do presidente Morales, o vulcão e o parque nacional Sajama, além do carnaval orureño, reconhecido pela UNESCO desde 2001 como patrimônio oral e intocável da humanidade. Oruro (a cidade) já foi um importante centro minerador e entroncamento ferroviário.
Atualmente, as maiores fontes de renda se concentram no turismo e na força do período carnavalesco que atraem milhares de pessoas. Ao telefone, falo com Dom Fernando, que nos oferece quatro noites de hospedagem em sua casa por 50 dólares (83 reais). A rede hoteleira na cidade ainda é escassa. Assim, na falta de quartos, os próprios moradores aproveitam a data e alugam quartos de suas residências para bolivianos de outras partes ou estrangeiros. Mas e a diabada toda, de onde surgiu?
A origem
Há várias lendas e teorias que buscam explicar a devoção dos orureños pela Virgen del Socavón (a virgem dos mineiros, das minas), motivo central das festas carnavalescas. Reza a lenda que no final do século XVIII (idos de 1789) um “Robin Wood latino” denominado Nina Nina(em aymara significa fogo), se apaixonou pela filha de um rico comerciante. Como a maioria de tragédias de amor, no dia da fuga do casal, o pai da moça os surpreendeu e esfaqueou Nina Nina, que antes de morrer, declarou sua devoção à Virgem.
Outra história semelhante é a do bandido Chiru Chiru, que ao tentar roubar um peão nas cercanias do morro Pé de Galo, foi ferido, indo agonizar dentro de uma mina. Algumas pessoas deram por sua falta, e dias depois, encontraram o cadáver com uma surpreendente imagem da Virgem da Candelária. Na época, acreditou-se que ele só chegou àquele local guiado pela Virgem de Socavón. Coincidentemente era sábado de carnaval, e os mineiros gozavam de três dias livres para celebrar o carnaval.
Homens do subsolo, os mineiros bolivianos misturam diversos tipos de crenças. Além de preceitos incas, como a valorização da natureza, os mineiros tem uma arraigada fé católica, mas ela só é manifestada fora das minas. Dentro delas, onde a escuridão e o silêncio imperam, só há lugar para uma divindade: o Tio. O Tio é uma espécie de diabo a quem os mineiros oferecem folhas de coca, cigarros, pinga e outras oferendas pedindo proteção para o dia árduo e perigoso dia de trabalho, e também que possam encontrar um metal precioso para assim saírem da vida insalubre e tóxica das minas.
Em 1900, quando chegava o carnaval, alguns mineiros decidiram se disfarçarem de diabo para adorar a virgem e brincar os festejos. Carlos Condarco Santillán, estudioso em folclore boliviano relata que essa é a hipótese mais aceita para o início da Diablada. A partir desse momento, Oruro passou a ser invadida todos os anos por uma “legião de diabos” cantantes, que por meio da dança, rendem homenagem à Virgem das minas e simbolizam o embate entre o bem e o mal.
A cada ano, o carnaval de lá foi se aprimorando, e como um Rio de Janeiro, montou uma festa que atrai os olhares ao redor do mundo. Os diabos começam a por suas máscaras coloridas e roupas berrantes. As Morenadas também. Bailarinos e músicos afinam instrumentos e corpos para o desfile. O porquê da importância e da originalidade do carnaval de Oruro é tema da coluna da semana que vem. A festa está só começando.
Deuses e Demônios
Quinta à noite. Um grande número de carros, todos adornados com metais (talheres, pratarias), flores e tecidos irrompem a avenida do carnaval junto a fiéis, bandeiras e transeuntes. E nesse instante estão abertas os festejos de mais um carnaval na cidade de Oruro, Bolívia. A devoção pela Virgem de Socavón é exaltada em diversas ocasiões. A procissão é a primeira delas. Como o carnaval mais célebre dos bolivianos é uma manifestação da fé católica, agregado agora com marketing e glamorização, é o padre da cidade quem inicia a festa com uma caminhada santa pelo trajeto, que nos próximos dias, receberá além dos diabos orureños, dançarinos, músicos, jornalistas e os visitantes de outras Bolívias e do mundo.
Ao contrário da Sapucaí carioca, Oruro não tem nenhuma passarela do samba. O trajeto de três quilômetros é feito entre avenidas, ruas estreitas e praças. O mais importante é chegar à igreja construída em devoção à Virgem. Essa é a recompensa dos dançantes: render homenagens à Santa após a árdua caminhada, dançando e cantando. Esse é um dos motivos pelas quais a cidade não investe em infra-estrutura, que se nota em todos os níveis. Junto ao desfile, arquibancadas toscas de madeira com lonas são montadas. Os preços variam e são, digamos, bastante negociáveis. Fiquei junto com Álvaro, o amigo do Chile, em um setor bom, a 130 bolivianos por dois dias (aprox. 31 reais).
Os desfiles acontecem no sábado e no domingo. Atualmente, participam da festa 48 agremiações. As exibições começam por volta das sete da manhã e só terminam no anúncio da madrugada, quando os jovens vão para as boates ou ficam vagando pelas ruas, bebendo cerveza, chacumbê (espécie de quentão) e comendo papas fritas com salsicha. Outras coisas curiosas desse carnaval são o Charkekan, um prato típico, misto de carne de lhama, batatas e ovos cozidos, milho e uma fatia de queijo branco, além das batalhas de balões de água e espuminha. Não há confetes, tanpoco serpentinas. Uma multidão de crianças e adultos “brinca” de se espirar espuma na cara e se encharcarem de água. Capas de chuva são recomendadas e vendem tanto quanto os balões.
Apesar de cansativo, e de algumas vezes, entediante, o carnaval de Oruro mantém uma magia difícil de encontrar. O sistema de segurança é precário, o que possibilita que os visitantes, por alguns momentos, interajam com os “artistas”. Desfilam as Morenadas, que representam os escravos vindos do continente africano. Em Oruro, eles se vestem de maneira luxuosa, quase real, para homenagear aos que sofreram nos tempos da colônia. Há o bloco com temáticas Incas, das touradas e da galhofa, como os Doctorzitos, uma série de homens de meia idade que trajam fraques e se exibem de modo pomposo para debochar dos advogados e alguns burocratas da coroa espanhola. Um ponto alto do desfile são os Caporales, companhias de danças que fazem a platéia vibrar com as coreografias e o sincronismo impecável. Mas a estrela da companhia continuam sendo as Diabladas. Há seis fraternidades “diabólicas” na cidade, sendo a Autentica e a Urus as que mais causam frisson durante as apresentações.
Momento de devoção à Virgem padroeira da festa
O nível do carnaval aumentou de maneira impressionante. De meia dúzia de mineiros que se disfarçaram de diabo para louvar à Virgem de Socavón, no inicio do século XIX hoje as mascaras e os adereços de diabos são atrações à parte. A fraternidade Urus, por exemplo, faz a platéia ir ao delírio quando alguns mascarados soltam fogo dos chifres. O que não mudou por lá é o final da caminhada. Os artistas, com roupas muito pesadas, a penitência para alguns deles, chegam aos pés da mina Pé de Galo, onde se encontra a igreja da Virgem. De joelhos, eles caminham em direção ao altar, para renderem homenagens e orarem para a mamita. È uma cena espetacular. Até os homens das trevas se curvam diante dela. Os deuses e demônios se encontram. Mais do que a luta do que o bem contra o mal, essas duas forças trazem ao homem, mesmo em uma festa pagã, o encontro do corpo e da alma, numa conexão arrepiante."
Texto retirado na íntegra e na cara de pau do Blog http://epadovez.blogspot.com.br
2 comentários:
Garibaldi meu bródezinho...
Duas postagens esclarecedoras e bem apresentadas... MAS TINHA QUE SER DO "NENÔNHO"... kkkk Olôcomêu... rss
Abraços
Tatto
Oi William, boa tarde.
Só fui ver hoje que você aproveitou meu texto no seu blog. Fico honrado pela divulgação.
Abraço
Elcio Padovez
elciopadovez@yahoo.com.br
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