sábado, 30 de setembro de 2023

4 poemas de João Cabral de Melo Neto

Ele foi  meu amigo que nunca conheci!

E me inspirou a caminhada

o desmanche de mim!


 "Os Rios Que Eu Encontro Vão Seguindo Comigo".




Imagem dAQUI

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Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

O Cão Sem Plumas

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava

a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem

Sabia da lama

como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.

Uma Faca só Lâmina

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado;

qual bala que tivesse um

vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
submerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.

Alguns Toureiros

Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida.

Morte e Vida Severina

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.


Fonte: https://www.revistabula.com/449-os-10-melhores-poemas-de-joao-cabral-de-melo-neto/

Os 10 melhores poemas de João Cabral de Melo Neto



Sobre João Cabral de Melo Neto 

Fonte: Site Toda Matéria LINK: https://www.todamateria.com.br/joao-cabral-de-melo-neto/

Escrito por Daniela Diana
Professora licenciada em Letras


...foi poeta, escritor e diplomata brasileiro. Conhecido como “poeta engenheiro”, ele fez parte da terceira geração modernista no Brasil, conhecida como Geração de 45.

Nesse momento, os escritores estavam mais preocupados com a palavra e a forma, sem deixar de lado a sensibilidade poética. De maneira racional e equilibrada, João Cabral se destacou por seu rigor estético.

Morte e Vida Severina” foi, sem dúvida, a obra que o consagrou. Além disso, seus livros foram traduzidos para diversas línguas (alemão, espanhol, inglês, italiano, francês e holandês) e sua obra é conhecida em diversos países.

Biografia

O pernambucano João Cabral de Melo Neto nasceu no Recife em 6 de janeiro de 1920.

Filho de Luís Antônio Cabral de Melo e de Carmen Carneiro Leão Cabral de Melo, João era primo de Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.

Passou parte da infância nas cidades pernambucanas de São Lourenço da Mata e Moreno.

Muda-se com a família em 1942 para o Rio de Janeiro, onde publica seu primeiro livro, “Pedra do Sono”.

Começa atuar no serviço público em 1945, como funcionário do Dasp (Departamento de Administração do Serviço Público).

No mesmo ano, inscreve-se para o concurso do Ministério das Relações Exteriores e passa a integrar em 1946 o quadro de diplomatas brasileiros.

Após passar por vários países, assume o posto de cônsul-geral da cidade do Porto, em Portugal em 1984.

Permanece no cargo até 1987, quando volta a viver com a família no Rio de Janeiro. É aposentado da carreira diplomática em 1990. Pouco depois, começou a sofrer com uma cegueira, fato que o leva a depressão.

João Cabral morreu em 9 de outubro de 1999, no Rio de Janeiro, com 79 anos. O escritor foi vítima de um ataque cardíaco.

Academia Brasileira de Letras

Embora com extensa agenda diplomática, escreveu diversas obras, chegando ser eleito em 15 de agosto de 1968 como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), recebido por José Américo. Em seu discurso de posse homenageou o jornalista Assis Chateaubriand.

Assim, para compensar o laconismo de um “muito obrigado” e expressar meu reconhecimento de outra maneira, quero dizer que me sinto muito honrado em vir a ser um de vós. E não apenas pelo que cada um de vós representa em nossa vida intelectual como porque a Academia, que vós todos, em conjunto, constituís, é uma de nossas instituições em que se tem mantido mais vivo o respeito pela liberdade do espírito. Daí (e não sei de maior elogio que se possa fazer a um corpo de escritores, homens para quem a liberdade de espírito é condição de existência) meu empenho em declarar que, entrando para a Academia, não tenho o sentido de estar abdicando de nenhuma das coisas que me são importantes como escritor.

Na verdade, venho ser companheiro de escritores que representaram, ou representam, o que a pesquisa formal, no nível da textura e da estrutura do estilo, tem de mais experimental; escritores outros cuja obra é uma permanente, e renovada, denúncia de condições sociais que espíritos acomodados achariam mais conveniente não dar a ver; escritores que, em momentos os mais diversos de nossa história política, têm combatido situações políticas também as mais diversas; escritores que, já acadêmicos, têm julgado livremente a Academia, patronos de suas Cadeiras e membros de suas Cadeiras. E tudo isso sem que a Academia tenha procurado exercer nenhuma censura e sem que a posição de acadêmicos tenha levado esses escritores a qualquer autocensura." (Trecho do Discurso de Posse, 6 maio de 1969)

Fonte: https://www.todamateria.com.br/joao-cabral-de-melo-neto/

 

Canja...









quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Hilda Hislt, a poetisa do fogo

 






Zélia Duncan cantando Hilda Hilst

Que sensibilidade da Zélia Duncan ao falar da Hilda Hilst. 
Continuamos os posts sobre a poesia de Hilda 
Este mês todo o Blog será dedicado a ela 
e todas as postagens nele feitas 
serão tributos a Hilda Hilst!



Documentário sobre Hilda part 1



Documentário sobre Hilda part 2



Documentário sobre Hilda part 3




Documentário sobre Hilda Hilst part 4




Sua Palavra Forte, Brava, Sensível.. sua palavra uma espada... uma flor.

É mesmo lindo ver a casa e a essência de alguém... 
Hilda Hilst conseguiu materializar uma ponte entre os mundos
Por que este interesse...?
decidi que este seria o mês dela no Versos de Fogo, 
por que me lembrei que o Zeca Baleiro havia musicado seus poemas
 e quis finalmente conhecê-los!
É importante divulgar a poesia brasileira, 
e isto acabou se tornando parte de um projeto...
aproximar a poesia das pessoas.
Por que ninguém tem o hábito de ler poemas?
existe mesmo a questão do Pérola aos porcos?
ou será que poucos intelectuais conseguem ver a poesia e senti-la?
ao invés de utilizá-la para mascarar-se de culto?
Esta preocupação com o ser lida, com o falar e ser ouvida
era preocupação de Hilda...
todos que escrevem querem ser lidos!
todos os que falam querem e precisam ser ouvidos
...relacionamento é sempre uma troca...
e aqui não podia começar com outro poeta se não com ela.
É olhando no espelho que aprendemos... 
é conhecendo pessoas que nos conhecemos!
É conhecendo poesias que conhecemos nosso coração.
É bem por ai a tal da evolução.
Escutar a sua voz, me deixa rebelde... forte... precisa explicar mais!?


Pássaro-Poesia
Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia
Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível
Porque de barro e palha tem sido esta viagem
Que faço a sós comigo. Isenta de traçado
Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem
Hei de levar apenas a vertigem e a fé:
Para teu corpo de luz, dois fardos breves.
Deixarei palavras e cantigas. E movediças
Embaçadas vias de Ilusão.
Não cantei cotidianos. Só te cantei a ti
Pássaro-Poesia
E a paisagem limite: o fosso, o extremo
A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.
No Amanhã.



HILDA HILST


Um Poema do Livro Júbilo Memória e Noviciado da Paixão

III
Contente. Contente do instante
Da ressurreição, das insônias heróicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado
Uma garganta aguda, vitoriosa.
Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento
Desde sempre, amor, redescoberto em mim.



"Se me tocares
Amantíssima  branda
Como fui tocada pelos homens

Ao invés de morte
Te chamo
Poesia
Fogo, fonte, palavra
Sorte."

Hilda Hilst



Repostagem de 2009



sábado, 16 de setembro de 2023

O meu lugar de fala

Depois de ver um branco falando besteiras na net sobre lugares de fala. E como um homem branco é impedido em sua voz e sua fala... 

Fiquei pensando sobre qual seria o meu lugar de fala?

Mas antes a resposta: Pra que um homem branco e heterossexual quer ser ouvido? Eles só falam piadinhas preconceituosas, violência e elitismo! 

Agora quando é um homem branco e heterossexual feito Carl  Marx, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Henrique Cardoso e outros, eles possuem por seus valores atemporais seus lugares de fala! 

Não precisam se impor...


O homem verde de Catarina Rodrigues
Fonte: AQUI



Eu que sou um homem colorido 

(Um Green Man!)

na pele o brando e preto na alma e

e o indígena no modo de ser...

Eu  que sou descendente de índios, 

angolanos, 

espanhóis e franceses… 

Eu que sou das artes, 

do amor e das humanidades...

Tenho lugar de fala pois me permito ter

Tenho lugar de fala como ser humano

Tenho lugar de fala como professor

Tenho lugar de fala por lutar pela inclusão e igualdade 

há mais de vinte anos

Tenho lugar de fala por defender a sexualidade livre e saudável 

Tenho lugar de fala por fazer carnaval

Tenho lugar de fala por ser da macumba

Tenho lugar de fala por ser poeta

Tenho lugar de fala porque quero ter


E já disse várias vezes que aqui, este blog é meu lugar de fala!



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Violão em Chamas...

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