Decorreu esta Quarta-Feira a habitual Tertúlia no sede do Instituto. O tema a discutir era muito aliciante: “Xamanismo e Magia Natural”, o que fez com que a sessão fosse concorrida.
A noite iniciou-se com o visionamento do clássico “Floresta Esmeralda”, de 1985, baseado em factos reais e realizado por John Boorman (o mesmo de “Excalibur”). Bill Markham é um engenheiro americano encarregue de construir uma barragem na selva da Amazónia. No decurso da construção é destruída uma grande quantidade de área florestal. Um dia, Markham assiste ao rapto do seu filho de sete anos, levado a cabo pelos Índios. Durante muitos anos, Markham procura o seu filho desaparecido em vão. Entretanto, Tommy fora adaptado pelos Índios – pela tribo ‘Povo Invisível’ – e criado como um guerreiro. Após dez anos de buscas, Markham finalmente encontra o seu filho e dois mundos diferentes colidem. Agora crescido e recentemente nomeado guerreiro, Tommy vive feliz com a tribo amante da natureza e não deseja de todo regressar à ‘civilização’ com o seu pai…
Ao longo do filme podemos acompanhar vários rituais da tribo índia, incluindo o Ritual de Passagem, extremamente bem coreografado, onde vemos Tommy a encontrar o seu animal de poder. Terminado o visionamento, abriu-se o debate retomando a análise mais cuidada das cenas e procurando entender o fenómeno do Xamanismo presente nos rituais, para lá da cinematografia. Aos poucos os tertulianos foram listando algumas das características mais marcantes de todos os rituais Xamânicos, dos quais destacamos:
- Comunhão com a Natureza e as suas forças vivas
- O uso de plantas (algumas alucinogénicas) ou cogumelos
- A presença do Xaman-Guia, que conduz o candidato
- A fogueira, onde é preparada a substância facilitadora do estado de transe
- O estado de transe em si, semelhante a um sono (e sonho) profundo e consciente
- Os tambores e o ritmo em cadente imparável
- A sintonia com uma animal/elemento – forma; a maior parte das vezes racionalizado como um animal
Sobre o fenómeno fisiológico em si, as descrições feitas pelos verdadeiros Xamans ajudam a entender que o estado de transe é induzido quer pelo ritmo dos tambores (que imprimem um compasso ao coração, que vai aumentando, produzindo um aumento no ritmo respiratório e no afluxo de oxigénio ao cérebro), logo potenciados pelo fumo de uma erva que queima (dependendo das versões pode ser numa fogueira, fumada directamente ou por cachimbo, etc.), ou por ingestão do facilitador vegetal que irá desencadear o corte da percepção dos sentidos externos e o mergulhar num sonho muito vivo e consciente, onde o sujeito está em contacto com o seu mundo onírico. Aqui as experiências são intensamente vividas e sentidas. Estamos no mundo das emoções (a que os místicos associam o elemento Água), pelo que os rios, as florestas das chuvas com a sua exuberante vegetação, as cascatas, as brumas e as nuvens são visões comuns. Alguns dos tertulianos que tinham já passado por experiências Xamanicas, quer em retiros, quer em seminários para o efeito, descreveram ter sentido aromas intensos (nomeadamente a madeira e floresta), a sensação de estar sobre areia, regatos, chilrear de pássaros, entre outras coisas. As experiências sensoriais (típicas do mundo Astral Lunar, das emoções) eram em muito maior número que as visuais, mais escassas e indefinidas.
Este tipo de exercício Xamânico ajuda cada um a ligar-se à sua tónica de energia própria. A Energia Primordial, que desce pelos Planos até ao físico mais denso onde se manifesta, entre outros, pelo chamado Chi (lê-se Ki), ou Energia Universal que tudo permeia, expressa-se em 7 tónicas diferentes, num verdadeiro arco-íris de características, as quais vão “inflar”, por assim dizer” a personalidade de cada um. Ou seja, há muitos tipos de personalidade, as quais se podem definir perfeitamente pela qualidade tónica da energia que as anima. A Teosofia chamas-lhe os “7 Raios” e saber qual dos 7 está em maior concordância com cada um, algo que é muitas vezes intuitivo, é conhecer o tipo de trabalho espiritual mais se coaduna ao nosso caso. Ora, os processos para fazer essa descoberta podem ser múltiplos. Discutiu-se, então, a vertente Xamânica dessa descoberta e como, cada um, acaba por racionalizar através de uma forma de pensamento (um tigre, um lobo, uma corsa, uma águia, etc.) a forma emocional a que se liga ao entrar em estados alterados de consciência induzidos pelo ritual Xamânico e as suas componentes.
De seguida debateu-se a relação destas práticas, muito ligadas às energias mais directas e poderosas da natureza – logo do mundo físico denso – com as práticas iniciáticas que visam o alargar da consciência de modo a abarcar mundos superiores e transcendentes à própria mente. Chegou-se à conclusão que há práticas muito eficazes para cada estágio do progresso iniciático e que o Xamanismo (que se reveste de muitas formas em todo o mundo) parece constituir um dos níveis de entrada mais imediatos e universais para a experimentação do mundo do transcendente. Assim, alguém acabou por dizer que um Índio Americano terá muita dificuldade em compreender ciências muito abstractas como a Cabala, que são alheias à sua cultura, mas seguramente dará uma bela lição acerca do equilíbrio da natureza e de como a nossa acção tem sido nefasta, com as suas consequências, numa simples e fácil formulação da Lei do Karma, à sua maneira, nas suas palavras. Essa Lei Universal é de tal modo visível , imediata e concreta, que não requer o recurso aimagens abstractas para que se possa aprender. Notou-se ainda que o ritual Xamânico, em geral, se faz ao redor do fogo e em círculo. Ora, o círculo é a forma mais imediata e evidente da natureza, presente desde logo no Sol e na Lua, elementos muito importantes para o Xamanismo. É pouco provável que o índio amazónico tenha grande deslumbramento por pentáculos ou estrelas de 5 pontas. O seu mundo é mais palpável e mais imediato, necessitando de um tipo de iniciação físico e concreto, que permita a experimentação do estado de consciência seguinte ao do corpo externo, que é o do sonho – primeiro dos muitos mundos internos.
Xamãs da Sibéria
Uma vez debatido o processo fisiológico, bem como os resultados das práticas Xamãnicas, passou-se a outro ponto, este muito polémico: faz o Xamanismo parte ou não da nossa Via Inciática moderna e ocidental? As opiniões dividiram-se, mas aos poucos foram aduzidos vários argumentos para classificar os “fins-de-semana” de “xamanismo” como pouco mais do que meras brincadeiras comparadas com a seriedade do fenómeno, velho de mais de 40.000 anos (terá começado nas estepes da Sibéria e hoje cobre uma boa parte do mundo). Mas se é uma antiga prática mística e parece estar ultrapassada por práticas mais adequadas ao mundo actual e eficazes na busca de uma espiritualidade metafísica, por que razão há um fascínio tão grande pelo Xamanismo? Alguém terá dito que a sociedade moderna necessita reconectar-se com a natureza e que a vida nas cidades nos afasta da experimentação com as forças mais puras e cruas ao nosso redor.
Contudo, argumentou-se que o homem da cidade tem bom remédio: o campo está repleto de práticas, rituais, festas e tradições plenamente ocidentais que nos ligam harmonicamente à natureza. Esse elemento natural não é exclusivo do Xamanismo. Veio à memória de todos o notável e silencioso pôr-do-sol experimentado pelos membros do IHS que viajaram este verão a Trás-os-Montes, sentados nas muralhas do titânico castelo Templário da Algozo. A natureza em harmonia com a obra do homem. Falou-se ainda nas tradições portuguesas das “bruxas”, das “mulheres de virtudes” e dos “endireitas”, que muitas vezes passam de geração em geração, mantendo o “dom” na mesma família por séculos. Algumas das práticas populares parecem ter sido herdadas de tempos muito longínquos assemelhando-se ao arquétipo xamanico quer no uso do fogo e do círculo humano em volta deste, como na ingestão de determinadas ervas ou chás facilitadores do processo de diagnóstico e cura.
Quando o Homem da Floresta começa a mentir
Voltando à discussão sobre o Xamanismo e a relevância que ele tem fora dos círculos étnicos nos quais tem sobrevivido, passou-se à projecção de um vídeo onde índios norte-americanos caracterizavam a nova moda New Age de copiar as suas práticas ancestrais e designá-las por “xamanismo”, dando-lhe quase o estatuto de uma igreja, como totalmente espúrias ao Xamanismo real. Classificam-nas de “fraude” e “mentira”. Dizem que lhe falta o contexto cultural e que os que se fazem passar por Xamans estão a semear o seu próprio erro. Fazer um estágio de 2 ou 3 dias e ser submetido a uma “iniciação” xamanica é o mesmo que participar na maratona, correndo apenas os últimos 100m e cortar a meta à frente de todos. É uma fraude. A essa prática faltarão os outros 42km! Ou seja, ter nascido na tribo, ter todo o ethos da tribo impresso e trabalhado ao longo de anos, quer física, quer cultural, quer espiritualmente, participar da cadeia ininterrupta de Xamans (que são mediadores entre dois mundos), sabendo que nem todos serão Xamans e que tomar parte num ritual ancestral é um privilégio raro, a encarar com respeito e devoção. Na referida reportagem, vários índios comentavam a tendência do “homem branco” se querer apoderar de coisas que não lhe dizem respeito. Foram muito debatidos comentários de índios do tipo “Já nos levaram as terras, querem agora levar-nos os cachimbos, os tambores e a religião?”, “Dizem que foram índios em outra encarnação, mas agora são brancos! Lidem com isso e procurem realizar-se com o que é vosso”, “Têm nomes simbólicos que viram em sonhos nesses dias em que tomam ervas, do género «Pena Suave», «Regato Risonho» ou «Águia de Luz». Ora nós não recebemos os nossos nomes em sonhos! Vêm de família. Porque razão eles não sonham com nomes mais parecidos com a sua essência, do género: «coiote desgraçado» ou «sanguinário saqueador»?”
Principiante leva com fumo no Chakra coronário, enquanto o que está mais à direita fuma o seu cigarro tranquilo numa roda “Xamânica” New Age. O único índio é o que sopra o fogo.
“Xamãs” Nova Era em Sedona, Estados Unidos
“Xamãs” em pleno exercício da “abertura dos chakras” num acampamento de Nova Era
O debate aprofundou o tema da facis. Mostraram-se caras de vários Xamans verdadeiros e depois reuniões, práticas e caras de Xamans “da treta”. As diferenças são evidentes e a serenidade que emana dos primeiros é traduzida em olhar alucinado dos segundos. Finalmente o grupo pôde ouvir as experiências pessoais de alguns membros.
Lamentavelmente não me foi possível extrair mais descrições da nossa interessante conversa. Acabámos a tertúlia às 2.30am, numa madrugada calma e serena junto a Sintra onde ninguém arredava pé e todos queriam ficar mais 10 minutos. Documentação vária (incluindo os vídeos) foi entregue ao IHS e está disponível para consulta na nossa (ainda pequeníssima) biblioteca. Esse material é para ser usado.
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* ACTUALIZAÇÃO *
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