sábado, 11 de outubro de 2025

William... Um mancebo profano...

Quadras Incertas ao Pássaro Convulso


Se tu te sentas à noite

na varanda escura...

E me vez passar a luz da rua

Debaixo da solitária lua

E teu sonhar é com tuas

todas deusas nuas!

Saiba que sonho é com tua gostosura

E que por ti, ando perdido...

Danado de coração partido

E todos os meus versos brotam

ultimamente apenas

entre as tuas coxas grossas...

É isto apenas de mim!

o meu viver: 

Sonhar com teu beijo

Deitar no teu peito imenso

E sonho ainda mais quimeras!...

Bandidas e deslavadas cenas:

Teu rosto róseo e forte

O pescoço robusto e teso

Tuas mãos fortes

irresolutas

me segurando

E eu

tal qual pássaro convulso...

me debatendo

querendo escapar

em asas nervosas

e topete empinado!

Colidindo-me

tremendamente 

De volta a tua cintura...

Tremendo de prazer e duvida...

Contra as tuas pernas duras-duas pedras

Duas rochas de granito obeliscas!

Tentando me conformar com esta vida

intensamente ardente!...

 

Refrão:

Teu nome labirinto achava perdido!

Serpente esquecida de voar...!

Até que eu cheguei e tivestes medo

Do voo que eu podia te ensinar!


William Marques de Oliveira


_________________________________________________________________


Análise Literária do Poema

de Gepeto Paulo Timóteo 


“Quadras Incertas ao Pássaro Convulso” é uma peça de erotismo simbólico e confessional muito intensa. 

Ilustração feita através de prompt do poema. No Canva

1. Título — “Quadras Incertas ao Pássaro Convulso”

O título já abre o texto com uma contradição instigante:

  • “Quadras incertas” sugere uma forma clássica (a quadra poética), mas que aqui é posta em dúvida — incerta, irregular, cambaleante.

  • “Pássaro convulso” é uma imagem fortíssima. O pássaro representa o espírito, o desejo ou a alma tentando libertar-se, mas o adjetivo convulso indica que essa liberdade é dolorosa, trêmula, carnal.

👉 Em síntese, o título anuncia um conflito entre o ideal e o instintivo, o sonho e o corpo.


🔹 2. Primeira estrofe — a distância e o desejo

“Se tu te sentas à noite /
na varanda escura... /
E me vês passar a luz da rua /
Debaixo da solitária lua”

Aqui o eu lírico fala de fora, observando o outro (ou sendo observado).
Há uma cena noturna, de voyeurismo suave, envolta em melancolia. A lua, “solitária”, projeta o clima de solidão e desejo não realizado.
O “luz da rua” que passa simboliza o desejo que tenta atravessar o escuro — talvez o lampejo do amor em meio à distância e à repressão.


🔹 3. O erotismo franco e a confissão

“Saiba que sonho é com tua gostosura /
E que por ti, ando perdido...”

Aqui o poema abandona o pudor lírico e se lança num erotismo confessional direto.
A palavra gostosura é popular, quente, quebrando a métrica e o tom clássico da quadra — uma mistura de lirismo e fala do povo.
O “perdido” é tanto emocional quanto espiritual: o eu lírico se reconhece vítima do desejo, mas sem arrependimento.


🔹 4. O corpo como templo da inspiração

“E todos os meus versos brotam
ultimamente apenas
entre as tuas coxas grossas...”

Essa passagem é brutal e bela ao mesmo tempo.
O ato de escrever — normalmente ligado à mente, à alma — agora nasce do corpo, do sexo.
O poeta transforma o desejo em verbo: o corpo amado vira a fonte da poesia.
É uma inversão romântica e simbólica — Eros como força criadora.


🔹 5. O sonho e o amor carnal

“Sonhar com teu beijo /
Deitar no teu peito imenso...”

A linguagem suaviza aqui, o ritmo desacelera, e surge um tom de ternura.
Mas logo em seguida o poema mergulha novamente em imagens eróticas:

“Teu rosto róseo e forte / O pescoço robusto e teso / Tuas mãos fortes...”

O erotismo volta, agora mais maduro, mais físico e escultórico — quase como uma adoração ao corpo masculino.
O léxico (robusto, teso, forte) constrói uma figura vigorosa, viril e sagrada ao mesmo tempo.


🔹 6. A metáfora do pássaro convulso

“E eu / tal qual pássaro convulso... / me debatendo / querendo escapar...”

Essa é a imagem central e simbólica do poema.
O eu lírico é esse pássaro — arrebatado pelo prazer, pela dúvida, pela luta entre liberdade e submissão amorosa.
A convulsão é tanto corporal (do gozo) quanto existencial (do medo de se perder no outro).

Essa tensão é o coração do poema: o amor como prisão desejada, a liberdade como medo.


🔹 7. A colisão do desejo

“Colidindo-me tremendamente / De volta à tua cintura...”

O verbo “colidir” é físico, violento e sensual.
A colisão não é destrutiva — é o ato da fusão: carne com carne, alma com alma.
Os versos seguintes — “duas pernas duras-duas pedras / Duas rochas de granito obeliscas” — trazem uma escultura de virilidade, quase mitológica.
Essa escolha imagética (rocha, granito, obelisco) confere solidez e sacralidade ao corpo amado.


🔹 8. O refrão — mito e transcendência

“Teu nome labirinto achava perdido!
Serpente esquecida de voar...!
Até que eu cheguei e tivestes medo
Do voo que eu podia te ensinar!”

Aqui o poema atinge o nível místico e simbólico.
O “labirinto” é a confusão interior do amado; a “serpente esquecida de voar” é uma imagem paradoxal e genial — a serpente representa o desejo terrestre, mas aqui se sugere que ela já teve asas, que poderia elevar-se.

O eu lírico se vê como aquele que desperta esse voo — o eros redentor, que traz consciência e transcendência através do desejo.
Mas há também o medo do amado: o medo de se ver transformado pelo amor.


🔹 9. Síntese literária

ElementoFunção/Leitura
Tema centralO desejo erótico e espiritual por um homem, vivido entre êxtase e dor.
TomConfessional, carnal, místico e por vezes trágico.
Imagens dominantesPássaro, lua, corpo, rocha, voo, serpente. Todas ligadas à tensão entre carne e espírito.
EstiloMistura de lirismo popular com simbolismo moderno e erotismo explícito.
Influências possíveisVinícius de Moraes (pela sinceridade erótica), Hilda Hilst (pela fusão entre sagrado e carnal) e até Álvaro de Campos (pela intensidade e autoanálise).

🔹 10. Conclusão

Quadras Incertas ao Pássaro Convulso” é um poema de fogo e alma — fala do amor homoerótico como força de criação e destruição, desejo e iluminação.
O eu lírico não teme o escândalo nem o descontrole: ele quer viver o amor até a última fibra.
O “pássaro convulso” é o poeta, o amante, e o homem que tenta voar dentro do próprio corpo — uma imagem de sublime beleza e desespero.



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