Quadras Incertas ao Pássaro Convulso
Se tu te sentas à noite
na varanda escura...
E me vez passar a luz da rua
Debaixo da solitária lua
E teu sonhar é com tuas
todas deusas nuas!
Saiba que sonho é com tua gostosura
E que por ti, ando perdido...
Danado de coração partido
E todos os meus versos brotam
ultimamente apenas
entre as tuas coxas grossas...
É isto apenas de mim!
o meu viver:
Sonhar com teu beijo
Deitar no teu peito imenso
E sonho ainda mais quimeras!...
Bandidas e deslavadas cenas:
Teu rosto róseo e forte
O pescoço robusto e teso
Tuas mãos fortes
irresolutas
me segurando
E eu
tal qual pássaro convulso...
me debatendo
querendo escapar
em asas nervosas
e topete empinado!
Colidindo-me
tremendamente
De volta a tua cintura...
Tremendo de prazer e duvida...
Contra as tuas pernas duras-duas pedras
Duas rochas de granito obeliscas!
Tentando me conformar com esta vida
intensamente ardente!...
Refrão:
Teu nome labirinto achava perdido!
Serpente esquecida de voar...!
Até que eu cheguei e tivestes medo
Do voo que eu podia te ensinar!
William Marques de Oliveira
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Análise Literária do Poema
de Gepeto Paulo Timóteo
“Quadras Incertas ao Pássaro Convulso” é uma peça de erotismo simbólico e confessional muito intensa.
Ilustração feita através de prompt do poema. No Canva
1. Título — “Quadras Incertas ao Pássaro Convulso”
O título já abre o texto com uma contradição instigante:
-
“Quadras incertas” sugere uma forma clássica (a quadra poética), mas que aqui é posta em dúvida — incerta, irregular, cambaleante.
-
“Pássaro convulso” é uma imagem fortíssima. O pássaro representa o espírito, o desejo ou a alma tentando libertar-se, mas o adjetivo convulso indica que essa liberdade é dolorosa, trêmula, carnal.
👉 Em síntese, o título anuncia um conflito entre o ideal e o instintivo, o sonho e o corpo.
🔹 2. Primeira estrofe — a distância e o desejo
“Se tu te sentas à noite /
na varanda escura... /
E me vês passar a luz da rua /
Debaixo da solitária lua”
Aqui o eu lírico fala de fora, observando o outro (ou sendo observado).
Há uma cena noturna, de voyeurismo suave, envolta em melancolia. A lua, “solitária”, projeta o clima de solidão e desejo não realizado.
O “luz da rua” que passa simboliza o desejo que tenta atravessar o escuro — talvez o lampejo do amor em meio à distância e à repressão.
🔹 3. O erotismo franco e a confissão
“Saiba que sonho é com tua gostosura /
E que por ti, ando perdido...”
Aqui o poema abandona o pudor lírico e se lança num erotismo confessional direto.
A palavra gostosura é popular, quente, quebrando a métrica e o tom clássico da quadra — uma mistura de lirismo e fala do povo.
O “perdido” é tanto emocional quanto espiritual: o eu lírico se reconhece vítima do desejo, mas sem arrependimento.
🔹 4. O corpo como templo da inspiração
“E todos os meus versos brotam
ultimamente apenas
entre as tuas coxas grossas...”
Essa passagem é brutal e bela ao mesmo tempo.
O ato de escrever — normalmente ligado à mente, à alma — agora nasce do corpo, do sexo.
O poeta transforma o desejo em verbo: o corpo amado vira a fonte da poesia.
É uma inversão romântica e simbólica — Eros como força criadora.
🔹 5. O sonho e o amor carnal
“Sonhar com teu beijo /
Deitar no teu peito imenso...”
A linguagem suaviza aqui, o ritmo desacelera, e surge um tom de ternura.
Mas logo em seguida o poema mergulha novamente em imagens eróticas:
“Teu rosto róseo e forte / O pescoço robusto e teso / Tuas mãos fortes...”
O erotismo volta, agora mais maduro, mais físico e escultórico — quase como uma adoração ao corpo masculino.
O léxico (robusto, teso, forte) constrói uma figura vigorosa, viril e sagrada ao mesmo tempo.
🔹 6. A metáfora do pássaro convulso
“E eu / tal qual pássaro convulso... / me debatendo / querendo escapar...”
Essa é a imagem central e simbólica do poema.
O eu lírico é esse pássaro — arrebatado pelo prazer, pela dúvida, pela luta entre liberdade e submissão amorosa.
A convulsão é tanto corporal (do gozo) quanto existencial (do medo de se perder no outro).
Essa tensão é o coração do poema: o amor como prisão desejada, a liberdade como medo.
🔹 7. A colisão do desejo
“Colidindo-me tremendamente / De volta à tua cintura...”
O verbo “colidir” é físico, violento e sensual.
A colisão não é destrutiva — é o ato da fusão: carne com carne, alma com alma.
Os versos seguintes — “duas pernas duras-duas pedras / Duas rochas de granito obeliscas” — trazem uma escultura de virilidade, quase mitológica.
Essa escolha imagética (rocha, granito, obelisco) confere solidez e sacralidade ao corpo amado.
🔹 8. O refrão — mito e transcendência
“Teu nome labirinto achava perdido!
Serpente esquecida de voar...!
Até que eu cheguei e tivestes medo
Do voo que eu podia te ensinar!”
Aqui o poema atinge o nível místico e simbólico.
O “labirinto” é a confusão interior do amado; a “serpente esquecida de voar” é uma imagem paradoxal e genial — a serpente representa o desejo terrestre, mas aqui se sugere que ela já teve asas, que poderia elevar-se.
O eu lírico se vê como aquele que desperta esse voo — o eros redentor, que traz consciência e transcendência através do desejo.
Mas há também o medo do amado: o medo de se ver transformado pelo amor.
🔹 9. Síntese literária
Elemento | Função/Leitura |
---|---|
Tema central | O desejo erótico e espiritual por um homem, vivido entre êxtase e dor. |
Tom | Confessional, carnal, místico e por vezes trágico. |
Imagens dominantes | Pássaro, lua, corpo, rocha, voo, serpente. Todas ligadas à tensão entre carne e espírito. |
Estilo | Mistura de lirismo popular com simbolismo moderno e erotismo explícito. |
Influências possíveis | Vinícius de Moraes (pela sinceridade erótica), Hilda Hilst (pela fusão entre sagrado e carnal) e até Álvaro de Campos (pela intensidade e autoanálise). |
🔹 10. Conclusão
“Quadras Incertas ao Pássaro Convulso” é um poema de fogo e alma — fala do amor homoerótico como força de criação e destruição, desejo e iluminação.
O eu lírico não teme o escândalo nem o descontrole: ele quer viver o amor até a última fibra.
O “pássaro convulso” é o poeta, o amante, e o homem que tenta voar dentro do próprio corpo — uma imagem de sublime beleza e desespero.
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